Sabe quando você ouve uma música ou lê um poema, e seu coração arde e sua cabeça dói, de ciúme barato e topor porque não foi você quem pensou aquilo, e, mesmo assim aquilo passa a ser sua música? seu poema? sua cara? sua vida?seus gametas?
Sabe quando tudo faz sentido e somos extensões uns dos outros, como nas festas de crianças entre as crianças?; Bem, foi assim quando li Edgar Morin. Este fragmento abaixo, parte do lido no inverno de 2005, carrega essa sensação:
'Enquanto a cultura geral comportava a possibilidade de buscar a contextualização de toda informação ou idéia, a cultura científica e técnica, por causa de sua característica disciplinar e especializada, separa e compartimenta os saberes, tomando cada vez mais difícil a colocação destes num contexto qualquer. Além disso, até a metade do século XX, a maioria das ciências tinha por método de conhecimento a redução (do conhecimento de um todo ao conhecimento das partes que o compõem), por conceito fundamental o determinismo, isto é, a ocultação do acaso, do novo, da invenção, e a aplicação da lógica mecânica da máquina artificial aos problemas vivos, humanos e sociais.
A especialização abstrai, extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita os laços e a intercomunicação do objeto com o seu meio, insere-o no compartimento da disciplina, cujas fronteiras quebram arbitrariamente a sistemicidade (a relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos, e conduz à abstração matemática, a qual opera uma cisão com o concreto, privilegiando tudo aquilo que é calculável e formalizável.
Assim, a economia, a ciência social matematicamente mais avançada, é também a ciência social e humanamente mais fechada, pois se abstrai das condições sociais, históricas, políticas, psicológicas, ecológicas etc, inseparáveis das atividades econômicas. Por isso, os seus experts são cada vez mais incapazes de prever e de predizer o desenvolvimento econômico, mesmo a curto prazo.
O conhecimento deve certamente utilizar a abstração, mas procurando construir-se em referência a um contexto. A compreensão de dados particulares exige a ativação da inteligência geral e a mobilização dos conhecimentos de conjunto.
Marcel Mauss dizia: "É preciso recompor o todo". Acrescentemos: é preciso mobilizar o todo. Certo, é impossível conhecer tudo do mundo ou captar todas as suas multiformes transformações. Mas, por mais aleatório e difícil que seja, o conhecimento dos problemas essenciais do mundo deve ser tentado para evitar a imbecilidade cognitiva. Ainda mais que o contexto, hoje, de todo conhecimento político, econômico, antropológico, ecológico etc, é o próprio mundo. Eis o problema universal para todo cidadão: como adquirir a possibilidade de articular e organizar as informações sobre o mundo. Em verdade, para articulá-Ias e organizá-Ias, necessita-se de uma reforma de pensamento."